Wednesday, May 4, 2011

Cartas do Anónimo

Entre gargalhadas e suspiros alcoolizados, cigarros meio acabados e manchas no chão, senti que o meu corpo já não pertencia aquele espaço. Estava contrariado, já só amarrado a uma esperança desesperada. Nada de novo, tudo na mesma. Continuava a faltar o milagre. E em todas as caras, algumas entreabertas, outras semi serradas, em tantas pessoas diferentes não encontrava a resposta. Passei uma noite inteira a tentar "deixa lá ver do que falam estes; pode ser que me consigam surpreender". Mas depois percebi que não eram os temas. Interessantes? Alguns. Era a forma. A forma como as pessoas se davam a conhecer afligia-me. Ou era eu que estava frágil demais e tudo me parecia de uma violência antropófaga? Apeteceu-me desistir daquela realidade. Senti as chaves no bolso e já não me preocupei com mais nada. Desci as escadas do terraço, passei pela beira da piscina e acenei a três pessoas que reconheci do trabalho mas que nem sequer me lembrava dos seus nomes. Naturalmente porque não eram importantes. Ou pelo menos nunca olhei para elas como parte integrante da solução. Sorrateiro, esquivo como uma raposa que escolhe às escondidas o armazém que vai atacar, debandei. "Já está. Saída à francesa. Mesmo como eu gosto". Ninguém me viu entrar para o carro. Os 20 primeiros metros fi-los de luzes apagadas. E quando já me preparava para as ligar, travões a fundo! " Esqueci-me da merda do telefone em cima da mesa da cozinha". E passado uns confusos segundos de sentir o carro estancado, solto o pé do travão e desisto também do telefone. Volto a arrancar e antes de entrar em caminho asfaltado faço dois peões e muito pó.
O resto da noite era minha.

The Antlers, French Exit

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